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Chega de Bois, la ancestral tradición transmontana contada por Miguel Torga

Chega de Bois


 Así narraba su asistencia a la ancestral tradición transmontana de la Chega de Bois, el escritor Miguel Torga.
...meti-me a caminho debaixo dum temporal desfeito, e tanto teimei com a chuva, o vento e o granizo, que consegui chegar a horas de assistir ao combate. E valeu a pena. Se há em Portugal meia dúzia de espectáculos que merecem ser vistos, este é um deles. Primeiro, as bichezas, depois de nove voltas propiciatórias à capela do orago e da sanção da bruxa, a sair dos respectivos lugarejos, rodeados pela juventude dos dois sexos, enquanto o sino toca a Senhor fora e o mulherio idoso reza implorativamente aos pés do Santíssimo; a seguir, a chegada dos cortejos ao Toural da vila, as cerimónias preliminares do encontro – vistoria rigorosa dos animais (não tragam eles pontas de aço incrustadas nos galhos), a escolha do piso, dar o que pode, no esforço hercúleo de não perder um palmo de terreno, ou ganhá-lo apenas cedido. 

Chega de Bois
Foto de una fotografia expuesta en el Ecomuseu do Barroso

Turra que dura eternidades de emoção, e só termina quando uma das bisarmas fraqueja, recua, e acaba por fugir.
   Não é, contudo, a luta gigantesca, apesar de empolgante, o que mais diz ao espectador forasteiro. É o halo humano que a envolve, os milénios de ancestralidade que ela faz vir à tona da assistência. Símbolo de virilidade e fecundidade, o boi é na região o alfa e o ómega do quotidiano. Cada povoado revê-se nele como num deus. Vitorioso, cobrem-no de flores; derrotado, abatem-no impiedosamente. Quando há minutos a turra acabou, depois de a viver numa tensão de que a palidez de um padre a meu lado era a síntese, toda a falange que torcia pelo vencido parecia capada.    
        
              (Miguel Torga in “Diário XI”, 2ª edição, páginas 68/69)